Fica ligado

Campos Neto entre acertos e erros: um balanço da primeira presidência autônoma do Banco Central do Brasil

O mandato de Roberto Campos Neto à frente do Banco Central (BC) termina formalmente em 31 de dezembro.

No entanto, ele aproveitou o recesso de fim de ano para passar o bastão para Gabriel Galípolo no último dia 20.

Galípolo assume a função primeiro interinamente. A partir de 1º de janeiro de 2025, ele será efetivamente o novo presidente do Banco Central.

O cargo cresceu em importância durante a gestão de Campos Neto. Indicado por Jair Bolsonaro, ele sucedeu Ilan Goldfajn em 28 de fevereiro de 2019.

No início de 2021, o neto de Roberto Campos tornou-se o primeiro presidente do BC brasileiro com autonomia formal para o exercício do cargo.

Autonomia do Banco Central

Se antes Campos Neto precisava somente se preocupar com o controle da inflação, a autonomia do Banco Central aumentou seus deveres.

“O objetivo fundamental do BC é assegurar a estabilidade de preços, além de, acessoriamente, zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego”, determina a lei complementar 179/2021.

Para Fabio Kanczuk, ex-diretor de política econômica do Banco Central, a autonomia da entidade pode ser tratada como um mérito de Campos Neto.

Campos Neto desperta paixões

Ao longo de seu mandato, Campos Neto acabou acirrando paixões. A partir da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições presidenciais de 2022, ele passou a ser visto como um aliado de Bolsonaro no Banco Central.

O fato de ter ido votar com a camisa da seleção brasileira em 2022 e sua presença em um grupo de WhatsApp de “ministros de Bolsonaro” já depois da posse de Lula reforçaram a pecha.

Ao longo dos últimos dois anos, a política monetária executada por Campos Neto tornou-se um dos principais alvos de Lula e seus aliados, uma vez que os juros altos são um entrave ao consumo, ao crédito e aos investimentos — bem como à atividade econômica como um todo.

A reportagem do Seu Dinheiro procurou outros ex-diretores do Banco Central para avaliar o mandato de Campos Neto, mas nenhum deles quis conversar abertamente sobre o tema.

E se no mercado financeiro é difícil achar quem não se derreta em elogios por Campos Neto, entre os economistas alinhados com o governo Lula é praticamente impossível encontrar quem não o enxergue como um sabotador.

Nem tanto ao céu nem tanto ao mar.

Como contraponto, é possível recorrer aos comentários feitos por Gabriel Galípolo na entrevista coletiva conjunta concedida ao lado de RCN em 19 de dezembro, quando o BC apresentou o Relatório Trimestral de Inflação.

Muitas vezes apontado como uma espécie de antagonista de Campos Neto, Galípolo agradeceu ao antecessor pela “generosidade” durante a transição e deixou as portas abertas para ele.

“Foi uma transição entre amigos”, disse Galípolo.

Os altos e baixos de Campos Neto à frente do BC

O fato é que a passagem de Campos Neto pelo Banco Central teve altos e baixos marcantes.

O controle da inflação, principal atribuição do BC, é um dos pontos fracos.

Em fevereiro de 2019, quando ele assumiu o cargo, a inflação acumulada em 12 meses encontrava-se em 3,89%. Em novembro de 2024, último mês com dados disponíveis no momento, a inflação em 12 meses marcou 4,87%, acima do teto da meta de 4,50% para o ano.

Economistas de mercado consideram improvável que a inflação volte para a meta em dezembro. Confirmando-se esse cenário, Campos Neto terá descumprido a meta de inflação em três dos seis anos durante os quais presidiu o Banco Central.

A inflação ficou dentro do escopo da meta em 2019, 2020 e 2023 e fechou acima do teto em 2021, 2022 e, muito provavelmente, agora em 2024.

Já a taxa de juros, principal instrumento à disposição do Banco Central para lidar com a variação dos preços ao consumidor, estava em 6,50% ao ano quando RCN assumiu o cargo.

É verdade que a passagem de Campos Neto foi marcada pela pandemia. No período, depois de levá-la à mínima histórica de 2,00% ao ano, o Banco Central a subiu a 13,75%, nível no qual ficou por mais de um ano antes de começar a baixar.

Agora Campos Neto entrega o Banco Central com a taxa Selic a 12,25% ao ano, em um novo ciclo de alta — e a indicação pelo Comitê de Política Monetária (Copom) da autarquia de que ela estará acima dos 14% já em março de 2025.

Ainda no período em que Campos Neto foi presidente do BC, a taxa de desemprego saiu de 12,6% em fevereiro de 2019 para 6,2% em outubro de 2024 (último dado disponível e nível mais baixo da série histórica do IBGE). Apesar dele, afirmam os críticos.

Campos Neto e a Agenda BC#

Se na macroeconomia, a passagem de Campos Neto pelo Banco Central pode ter deixado a desejar, o mesmo não se pode dizer da microeconomia.

Foi durante a gestão de Campos Neto que o Banco Central aprofundou a Agenda BC#.

É por meio dela que estão sendo implementadas as principais inovações do setor financeiro no Brasil.

Ela abrange desde o open banking até o Pix.

Por meio do open banking e do open finance, o compartilhamento de dados entre instituições financeiras já vem facilitando e acelerando o acesso a serviços bancários.

No entanto, embora algumas fintechs tenham emergido nos últimos anos, o aumento da competição entre os bancos ainda está longe de baratear os custos de empréstimos, por exemplo.

Roberto Campos Neto também colocou o Brasil na vanguarda das CBDCs, sigla em inglês que identifica as moedas digitais emitidas por bancos centrais.

O projeto piloto do real digital, conhecido como Drex, ainda está em fase de testes. Quando entrar em vigor, no entanto, a expectativa é de que ele resulte em um ecossistema digital com aplicações práticas na vida financeira dos usuários.

Já o Pix é, de longe, o principal feito de Campos Neto à frente do Banco Central.

O meio de pagamentos instantâneos barateou os custos de transação e acelerou as operações financeiras tanto entre pessoas físicas quanto entre empresas.

Lançado em novembro de 2020, a implementação do Pix desencadeou uma revolução no sistema financeiro.

Em apenas quatro anos, o Pix tornou-se o meio de pagamento mais usado pelos brasileiros, atingindo 76,4% da população, superando o dinheiro em espécie, ainda usado por 68,9% dos brasileiros, e os cartões de débito (69,1%) e crédito (51,6%).

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