Quais são os motivos para um país se envolver com Bitcoin?
A interseção entre geopolítica e Bitcoin tem ganhado destaque sem precedentes, principalmente após as recentes discussões nos Estados Unidos sobre a possibilidade de transformar o Bitcoin em ativo de reserva estratégica nacional.
Essa narrativa ganhou força após a ampla vitória eleitoral de Trump e outros candidatos republicanos pró-Bitcoin ao Senado e à Câmara, garantindo a maioria para os republicanos e a possibilidade de aprovar diversas medidas favoráveis ao Bitcoin e seu ecossistema.
Paralelamente, a Rússia sempre foi um local favorável à mineração de bitcoin e, desde o início do conflito com a Ucrânia, tem se tornado cada vez mais um player na mineração. O país utiliza a mineração de Bitcoin como ferramenta para monetizar seu excedente energético e, potencialmente, como mecanismo para contornar sanções internacionais.
Em um mundo interconectado e digital, o Bitcoin se destaca como um ativo de reserva estratégica e como uma ferramenta estratégica para nações. Seja para enfrentar sanções econômicas ou para aproveitar recursos energéticos subutilizados, o Bitcoin oferece soluções inovadoras para desafios econômicos e geopolíticos.
Existem duas formas de um país se envolver com a mineração de bitcoin: 1) uso da mineração de bitcoin para monetização de energia ociosa e 2) mineração de bitcoin como hedge anti sanções.
Além disso, um país pode comprar diretamente o ativo, como é o caso das propostas para tornar o bitcoin ativo de reserva estratégico, mas o propósito desse artigo é discutir as tendências envolvendo mineração em específico e portanto não nos aprofundaremos na compra direta do ativo.
Mineração de Bitcoin como ferramenta de monetização de energia ociosa
A mineração de bitcoin tem se destacado como uma ferramenta única para monetizar energia que, de outra forma, seria desperdiçada ou subutilizada.
Este processo é especialmente valioso em situações onde há excedente energético que não pode ser eficientemente armazenado ou transportado para centros consumidores, seja por limitações de infraestrutura de transmissão, distância geográfica ou variações sazonais na demanda.
Por exemplo, usinas hidrelétricas durante períodos de alta vazão, campos de gás natural em locais remotos, energia solar em regiões com rede elétrica limitada, ou energia eólica durante períodos de baixo consumo podem direcionar seu excedente para a mineração de bitcoin.
Dessa forma, a energia que seria desperdiçada é transformada em um ativo digital globalmente negociável. Esta característica torna a mineração de bitcoin particularmente atraente para países com abundância energética, mas com acesso limitado a mercados consumidores, permitindo converter energia ociosa em valor financeiro, independentemente da localização geográfica ou infraestrutura de transmissão.
O Exemplo do Butão
O reino do Butão é um excelente exemplo de como a mineração de bitcoin pode ser utilizada por países com excedente energético.
O Butão emergiu como um caso único na adoção de Bitcoin, acumulando aproximadamente 13.000 BTCs (equivalente a 30% do seu PIB) através de operações de mineração utilizando energia hidrelétrica 100% renovável.
Sob a liderança do Rei Jigme Khesar Namgyel Wangchuck, o país iniciou operações de mineração em 2019 e tem utilizado sua abundante energia para se posicionar estrategicamente no cenário global, sendo o único país CO2 negativo do mundo e com a maior reserva de Bitcoin em relação ao seu tamanho.
O plano estratégico do Butão de utilização do Bitcoin vai além da simples acumulação de reservas via monetização de energia excedente. Ele se integra a um projeto mais amplo de modernização, que inclui a construção da “Gelephu Mindfulness City”, um centro de tecnologia e empreendedorismo. A iniciativa permite ao país desenvolver certa independência financeira da Índia, acessar moeda forte, desenvolver habilidades técnicas locais e atrair investimento estrangeiro.
O país já implementou um sistema de identidade digital na blockchain Polygon e está desenvolvendo competências em mineração de bitcoin, demonstrando como a tecnologia pode ser utilizada para impulsionar o desenvolvimento socioeconômico enquanto mantém harmonia com suas tradições culturais e valores ambientais.
Mineração de Bitcoin como blindagem anti-Sanções
A mineração de bitcoin também emerge como uma ferramenta estratégica contra sanções econômicas internacionais, por oferecer um mecanismo financeiro que opera fora do sistema bancário tradicional controlado pelos Estados Unidos.
Quando um país enfrenta sanções que o excluem de sistemas como o SWIFT ou congelam suas reservas internacionais, a mineração de Bitcoin surge como uma alternativa viável para este país manter sua liberdade de transação.
A exclusão de um país do sistema SWIFT se deve à característica centralizada deste sistema de pagamentos internacionais. Por outro lado, na mineração de Bitcoin, um país pode se proteger das sanções simplesmente detendo uma participação na hashrate da rede.
Isso é possível porque são os mineradores que determinam quais transações serão incluídas nos blocos validados e adicionados à blockchain. Portanto, se um país tiver uma parcela significativa da hashrate global, ele garante seu acesso ao sistema de pagamentos descentralizado do Bitcoin, assegurando assim a continuidade de suas transações financeiras.
Por exemplo, mesmo que os Estados Unidos controlem 80% da hashrate global do Bitcoin, se a Rússia possuir apenas 5% dessa hashrate, isso significa que a Rússia ainda terá acesso aos blocos minerados.
Portanto, mesmo que os Estados Unidos tentem bloquear transações associadas a endereços russos, essas transações ainda ocorrerão. Em outras palavras, ao participar da mineração de bitcoin, um país pode garantir o acesso a pelo menos alguns blocos por dia, tornando-se efetivamente impossível de ser censurado.
Além disso, o Bitcoin minerado pode ser utilizado para facilitar o comércio internacional, acessar moedas fortes ou manter reservas de valor fora do alcance de jurisdições estrangeiras. Com isso, a mineração de Bitcoin oferece uma forma de soberania financeira que não pode ser facilmente bloqueada ou controlada por governos externos, desde que o país possua recursos energéticos e infraestrutura adequada para mineração.
Rússia e Irã: Hedge contra sanções
Rússia e Irã são dois países que exemplificam o uso da mineração de bitcoin como hedge contra sanções. A Rússia tem utilizado o Bitcoin como uma ferramenta estratégica para contornar as sanções econômicas internacionais de várias maneiras.
Após ser excluída do sistema SWIFT e ter suas reservas internacionais congeladas, o país adaptou-se rapidamente, tornando-se o segundo maior minerador de bitcoin do mundo, com capacidade de 1 gigawatt, atrás apenas dos Estados Unidos.
A estratégia russa na utilização da mineração de Bitcoin se baseia em dois pilares principais: primeiro, a monetização de seu excesso de energia através da mineração de bitcoin, convertendo recursos energéticos que não podem mais ser vendidos tradicionalmente (devido às sanções) em um ativo digital global.
Segundo, a utilização do Bitcoin como meio de pagamento internacional que não pode ser censurado ou bloqueado por governos estrangeiros, diferentemente do sistema bancário tradicional.
Esta adaptação tem se institucionalizado através de parcerias entre empresas estatais e mineradoras – como a colaboração entre a BitRiver e a Gazprom (uma espécie de Petrobrás russa) – e através do desenvolvimento de um marco regulatório pelo Banco Central russo que permite o uso de criptomoedas especificamente para transações de comércio exterior. Desta forma, a Rússia consegue manter parte de suas operações comerciais internacionais mesmo estando excluída do sistema financeiro tradicional, demonstrando como a rede de pagamentos descentralizada conhecida como Bitcoin pode funcionar como uma tecnologia de resiliência econômica em face de sanções internacionais.
O Futuro da Mineração de bitcoin nos países dos BRICS
O futuro dos BRICS e sua relação com os Estados Unidos e seus aliados permanece uma das grandes incógnitas da geopolítica contemporânea.
A recente expansão do bloco, com a inclusão de países como Arábia Saudita, Irã, Egito, Etiópia e Emirados Árabes Unidos, sugere uma crescente influência do grupo no cenário internacional, especialmente em questões econômicas e comerciais.
A busca por alternativas ao dólar nas transações internacionais, o desenvolvimento de novas rotas comerciais e o fortalecimento de laços diplomáticos entre os membros indicam um movimento em direção a um mundo multipolar.
No entanto, as complexas relações bilaterais de cada país membro com os EUA, as diferentes agendas políticas dentro do próprio bloco e as constantes mudanças no cenário global tornam impossível prever com certeza se prevalecerá um ambiente de competição acirrada ou se surgirá um novo modelo de cooperação internacional mais equilibrado. Apenas o tempo revelará como essa dinâmica entre os BRICS e o G7 se desenvolverá, e como isso moldará a ordem mundial nas próximas décadas.
Entretanto, uma coisa é certa: em qualquer um destes cenários futuros, a mineração de bitcoin seguirá emergindo como uma atividade estratégica para as nações dos BRICS, seja para se proteger de possíveis sanções, seja para monetizar a parcela ociosa de seus vastos recursos energéticos.
A mineração de bitcoin continuará sendo um componente crucial na estratégia econômica e geopolítica de muitos países, promovendo a soberania financeira e a resiliência econômica.