Por que o mercado é pessimista se a economia brasileira vai bem?
O brasileiro deverá encerrar o ano com avanço de 7% em sua renda real disponível. A população ocupada pode alcançar 101,5 milhões em dezembro – um feito. E o PIB, que surpreendeu positivamente a economia brasileira em 2023, tem tudo para crescer acima de 3% em 2024.
Como se não bastasse, no começo de outubro, a agência de classificação de risco Moody’s colocou a nota soberana do país a um passo do grau de investimento, o clube dos bons pagadores.
Isso tudo serviria como um prato cheio para o mercado financeiro, interessado em apostar na economia brasileira (em sua moeda e empresas). Não fosse o fato de que, na prática, o mercado queira tudo hoje em dia, menos ativos de risco carimbados com o selo de Made in Brazil.
Mercado está mal-humorado
Na verdade, o mercado financeiro está há algum tempo mal-humorado com a economia brasileira. E um bom exemplo disso aconteceu há duas semanas, com a palestra do gestor Rogério Xavier, da SPX Capital.
Xavier mora em Londres. Mas em sua última passagem pelo Brasil, praticamente afirmou que a economia estava armando uma bomba relógio para o país.
O presidente da SPX disse que não investia em ativos brasileiros. Que a condução da política econômica ia de mal a pior. Comparou o país com a Argentina. E, em sua frase de maior efeito, afirmou que se continuasse assim, o Brasil correria o risco de voltar para os anos 1980.
No fim de sua participação no evento Macro Vision, do banco Itaú Unibanco, tirou aplausos da plateia formada por empresários, gestores e investidores milionários.
A economia brasileira preocupa?
Mas porque o mercado anda tão preocupado se, nos números atuais, a economia brasileira vai bem?
A resposta estaria, segundo dizem os gestores de recursos e economistas de bancos, no horizonte de observação. Enquanto a política e o brasileiro comum avaliam os indicadores da economia no mercado à vista, os investidores profissionais olham para o mercado futuro.
Funciona assim: o governo comemora o resultado do PIB. O mercado, por sua vez, traça cenários e faz contas para estimar quanto a economia poderá crescer no ano que vem.
Neste momento, apesar dos resultados indicarem uma economia em expansão, eles dizem que os riscos estão crescendo. Principalmente devido ao descontrole de gastos do governo federal.
Arcabouço fiscal
No mesmo evento em que Rogério Xavier disse que o governo contratava uma bomba fiscal com gastos mal computados, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, pediu um voto de confiança.
Disse que preparava medidas para cortar despesas. E que cumpriria a meta de zerar o déficit primário em 2024. “Mas o problema é que ele se sentou aqui e não disse uma única medida para cortar o gasto e zerar a meta”, avaliou Xavier.
“Ele até pode zerar neste ano, mas o problema é que o gasto está alto e a gente se preocupa para 2025 e, principalmente, para 2026, que é ano de eleição”, destacou Bruno Serra. Ele é gestor da família de fundos Janeiro, do Itaú, e ex-diretor de política monetária do Banco Central.
Nas contas do mercado, o governo deve furar essa meta em 1,5% do Produto Interno Bruto. “Prefiro mais arrocho na política fiscal do que deixar a política monetária correr solta”, afirmou o chairman do BTG Pactual, André Esteves, em evento na última semana.
Problemas da economia brasileira
A questão envolvendo o fiscal é que, quando o governo gasta cada vez mais, sem a contrapartida na receita, ela desemboca em inflação. Por isso que o BC aumenta a taxa de juros Selic, que drena dinheiro da economia. Ao invés de direcionar recursos para empresas e crédito, o investidor corre para títulos públicos.
Tanto é assim que, neste momento, a despeito das apostas de que a Selic pode subir acima de 13%, a visão dos agentes financeiros para a inflação exibiu piora consistente nas últimas semanas. E as projeções para o IPCA no Boletim Focus para o fim de 2024 já estão no teto de meta perseguida pelo BC.
No mercado de títulos, as medidas de inflação implícita extraídas dos títulos públicos (NTN-Bs) também dispararam recentemente. Já são negociadas em torno de 5,70% para todos os prazos.
No Focus divulgado na última segunda-feira, a mediana das projeções para o IPCA no fim de 2024 saltou de 4,39% para 4,50%. Assim, exatamente o teto da meta perseguida pela autoridade monetária. As estimativas para a inflação em 2025 também subiram, de 3,96% para 3,99%.
Para a taxa básica de juros (Selic), a mediana das estimativas manteve-se em 11,75% no fim de 2024. Mas subiu de 11,00% para 11,25% no de 2025.