Mercado financeiro

mesmo chacoalhando, clube segue sólido

Era uma vez um clube de futebol que tinha a maior receita da indústria no Brasil, endividamento baixo, desempenho econômico elogiável, e capacidade de empilhar títulos, ainda que essa última parte tenha sido menos verdade nos últimos dois anos. Este clube, então, resolve fazer movimentos estratégicos relevantes e investe todo o caminhão de dinheiro que tinha em caixa, aumenta sua dívida e acende um sinal de alerta nos torcedores: a solidez construída nos últimos anos estaria em risco?

Claro que estamos falando das finanças do Flamengo, que nos últimos dias virou notícia dentro de campo pela conquista da Copa do Brasil – finalmente um título relevante nos últimos dois anos. Mas também fora de campo, por conta da divulgação do balancete de setembro/24, mostrando aumento de dívida e redução brutal do caixa.

Conheça as finanças do Flamengo

Vamos então por partes, mas já antecipando que há boas e más notícias.

Primeiro, vamos olhar a abertura das receitas do clube, para entender de onde veio o dinheiro até aqui.

Comparando setembro/24 com setembro/23, vemos uma redução de 22% nas receitas totais, enquanto as receitas recorrentes cresceram 6%.

A explicação está no segundo gráfico, que mostra que em 2024 o clube não negociou os direitos de nenhum jogador, e o impacto disso nas contas é brutal. Afinal, são R$ 234 milhões a menos.

Nas demais receitas temos alguma redução em direitos de Transmissão, especificamente na linha “Participação, exposição e performance”, mas sem explicações até o momento. Parte dessa redução foi compensada pelo aumento das receitas comerciais.

No frigir dos ovos, ainda sobre as finanças do Flamengo, as receitas recorrentes foram bem. Então, o que fica de “notícia ruim” é que o clube poderia ter feito mais dinheiro com a negociação de direitos de atletas. Foi estratégia? Falta de demanda? Valores abaixo do esperado?

Não sei, mas fica um alerta: não há problema em ter na negociação de direitos uma unidade de negócio, a ponto de transformá-la em receita recorrente.

Mas é preciso ter consistência e operar fomentando negócios. Num clube que contrata tanto quanto o Flamengo, deveria ser normal abrir mão de atletas o tempo todo, fazendo a roda girar.

Custos X despesas nas finanças do Flamengo

Mas e os custos e despesas? Pois bem, vamos ver como se comportaram esses itens nas finanças do Flamengo:

Os custos e despesas caixa foram menores em 2024 quando comparados a 2023. Na parte salarial do futebol, apesar dos mais de R$ 300 milhões em contratações, os valores não sofreram aumento relevante. O destaque para a redução está nos demais Custos com Esporte.

A maior diferença foi na ausência de custos com negociação de atletas, que são as famosas comissões e direitos de terceiros sobre a venda (parte de outros clubes ou dos próprios atletas, por exemplo). Como não houve negociação de saída, não houve custo correspondente. 

Se desconsiderarmos esses valores em 2023, ainda assim o ano de 2024 apresentou redução de R$ 20 milhões, o que é positivo.

Ou seja, sob o ponto de vista de controle da operação o Flamengo segue praticando a receita que o trouxe até aqui: gasta dentro da realidade.

Geração de caixa em 2024 foi maior do que a do ano passado

No final, a famosa geração de caixa (EBITDA) em termos recorrentes foi maior em 2024 quando comparada a 2023 (R$ 184 milhões versus R$ 98 milhões).

A diferença gritante está no EBITDA total, pela ausência de negociação de atletas. Ainda assim, na projeção para o final do ano a expectativa é de que o EBITDA recorrente seja sensivelmente superior à do ano passado, o que confirma a boa gestão financeira.

Endividamento do Flamengo

Aqui temos o ponto de maior debate sobre as finanças do Flamengo em 2024. Primeiro, importante dizer que o clube fez dois grandes movimentos utilizando o caixa que possuía: i) investiu em contratações de jogadores, pagando à vista R$ 115 milhões; ii) aquisição do terreno do Gasômetro para construção do estádio, que consumiu mais R$ 147 milhões.

São movimentos relevantes que apenas clubes com posição de caixa robusta poderiam fazer. Mais: considerando o controle da operação, me parece que o movimento foi feito de maneira a considerar a robustez operacional para recomposição desse caixa.

Dívida do Flamengo

Vamos agora olhar a dívida do clube. Acompanhe:

A dívida de curto prazo cresceu quase 4 vezes, enquanto a dívida total mais que dobrou em relação a 2023.

A dívida em si aumentou R$ 205 milhões, basicamente nos valores a pagar por contratações e nos salários e encargos, enquanto outros R$ 211 milhões foram redução do caixa.

Entretanto, note que a Alavancagem – especialmente na relação entre dívidas e receitas – cresce mas ainda está em níveis saudáveis. Se comparar o valor de 0,7x de 2024 com os valores apresentados pelos clubes da Série A do Campeonato Brasileiro em 2023 – dados do Relatório Convocados 2024 – o Flamengo ainda estaria na zona de conforto, com relação abaixo de 1,0x as receitas totais.

Os 0,7x de 2024 estão próximos ao que pratica o Palmeiras, por exemplo, e com potencial de redução rápida. Na simulação para o final de 2024 esse índice cai para 0,6x. Ou seja, o aumento da dívida é real, mas a situação ainda está sob controle.

O que tudo isso significa?

Significa que a fotografia atual é efetivamente pior, comparada ao ano passado, por exemplo. O clube deve mais, consumiu seu caixa num ativo que terá pouca liquide caso o estádio não saia ou demore a sair.

Porque o terreno comprado estava lá há anos, sem desenvolvimento e com baixo interesse. Inclusive porque o projeto ainda deve demorar algum tempo para sair do papel, o clube passa por eleições – assim como tivemos eleições municipais recentemente. Mas tudo foi feito dentro da governança, com aprovação do conselho do clube.

Final feliz?

Agora, se pensarmos no filme que está rodando, o clube deu um passo importante para um projeto ambicioso, sem perder a capacidade de seguir gerando receitas e operando dentro de regras efetivas de controle de gastos.

Sem contar que a compra do terreno e as contratações continuam sendo movimentos olhando para frente, pensando no futuro, e não corrigindo problemas do passado.

No final das contas, era uma vez um clube de futebol extremamente saudável financeiramente, e que deve continuar assim se mantiver os pés no chão. É preciso atenção, monitoramento e controles internos, mas nada indica que o final não seja feliz.

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