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Isenção de IR deve beneficiar 36 mi, mas tributaristas alertam: ‘Quem paga a conta?’

As medidas anunciadas nesta quarta-feira (27) pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, chamaram atenção por cumprir uma promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de isentar de Imposto de Renda quem ganha até R$ 5 mil. Mas, em termos práticos, quais os efeitos dessas medidas para as pessoas?

Advogados tributaristas ouvidos pelo InfoMoney indicam que o anúncio pode aliviar boa parte da população, uma vez que pelas contas do IBGE quase 80% dos trabalhadores estão nessa faixa de rendimento. No entanto, pode acabar pesando por outro lado, com aumento de custos para empresas. Ou seja, as medidas funcionariam não como um remédio mas sim como um placebo.

Haddad anunciou ainda que o governo irá propor a criação de uma idade mínima para a aposentaria de militares, além da limitação de transferência de pensões, bem como outros ajustes em carreiras do Judiciário, que podem gerar uma economia de mais de R$ 70 bilhões nos próximos dois anos, o que foi considerado por tributaristas uma medida importante.

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A isenção do IR até R$ 5 mil beneficiaria 36 milhões de contribuintes, segundo a Associação Nacional de Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco). Por isso, a isenção do imposto para rendimentos de até R$ 5 mil é uma medida que soa atraente à primeira vista, segundo Waldir de Lara, advogado e fundador da LaraFy Consultoria.

“Mas a pergunta inevitável é: quem vai arcar com essa conta? Porque o custo dessa bondade fiscal pode ultrapassar R$ 40 bilhões anuais. Por trás do discurso de justiça tributária, está a realidade de um governo que precisa desesperadamente de recursos para fechar as contas públicas”, afirma o tributarista, acrescentando que essa isenção, em última análise, não é um alívio genuíno, mas uma redistribuição de encargos que deverá recair sobre outra classe: a iniciativa privada.

O governo já sinalizou que pretende compensar a perda de receita com medidas como a taxação de lucros e dividendos e a intensificação da fiscalização sobre empresas. “Com isso, o empresário brasileiro, que já lida com uma das maiores cargas tributárias do mundo, pode estar prestes a enfrentar mais um golpe no seu caixa”, declara Waldir de Lara.

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Legalmente o governo federal pode aumentar ou reduzir as faixas do IR. Atualmente, as faixas do IR são as seguintes:

  • Até R$ 2.259,20 é isento de IR
  • De R$ 2.259,21 a R$ 2.826,65 tem alíquota de 7,5% cobrados sobre a diferença que supera o valor isento.
  • De R$ 2.826,66 a R$ 3.751,05 tem alíquota de 15% cobrados também sobre a diferença do valor anterior.
  • De R$ 3.751,06 a R$ 4.664,68, a alíquota é de 22,5% cobrados também sobre a diferença que supera o valor anterior
  • Acima de R$ 4.664,68 fica em 27,5% a alíquota cobrados também sobre a diferença anterior.

A forma como essa tributação em camadas é cobrada é confusa, mas os tributaristas dizem que ainda não tiveram acesso ao material completo, para saber como ficarão as faixas acima dos R$ 5 mil. “Mas de fato o aumento da faixa de isenção representa um incremento importante na renda de boa parte dos trabalhadores. No entanto, é importante que esta medida seja sustentável para as contas públicas, que estão no vermelho, com déficit de R$ 50 bilhões”, diz Joaquim Rolim Ferraz, sócio da Juveniz Jr. Rolim Ferraz Advogados. “Enquanto isso, estudos indicam que a ampliação da isenção pode custar uma renúncia fiscal anual de R$ 60 bilhões.”

Para os especialistas, o governo deveria cortar gastos públicos desta ordem, para atender a Lei de Responsabilidade Fiscal e o teto de gastos, antes de isentar alguém de impostos.

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A dimensão do impacto

Segundo Morvan Meirelles Costa Junior, sócio fundador do Meirelles Costa Advogados, pelo anúncio fica claro que a mudança no sistema de tributação terá um impacto que não se restringe apenas aos contribuintes com renda de até R$ 5 mil. “Os cálculos preliminares da Unafisco indicam um impacto para aproximadamente 78% dos contribuintes que declaram imposto de renda”, diz Costa Junior.

De acordo com Guilherme Cordeiro Ferreira, advogado do Maia & Anjos Advogados, se quase 80% dos trabalhadores recebem até R$ 5 mil  (pouco mais de 3,5 salários mínimos em 2024) é fato que a medida tem forte impacto. “Contudo, é preciso saber o que será feito para compensar essa perda na arrecadação. O governo deve buscar outras fontes de renda, seja com tributação agressiva nas faixas superiores ou criação e majoração de outros tributos”, afirma.

Remédio ou placebo?

Para o advogado Jean Paolo Simei e Silva, sócio do Fonseca Brasil Advogados, diante desses questionamentos é preciso saber se a isenção do IR para rendimentos de até R$ 5 mil servirá como alívio real ou apenas um placebo fiscal. “O anúncio da ampliação da faixa de isenção parece atender a um velho fetiche brasileiro: redistribuir recursos não pela criação de riqueza, mas pela renúncia a uma parte dela. Um gesto generoso, sem dúvida, mas com implicações que merecem uma análise menos emocional e mais cartesiana”, disse.

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Segundo Silva, é preciso saber se em um país onde a informalidade é a norma e apenas uma pequena fração dos rendimentos passa pelo escrutínio do Leão, quem exatamente será impactado? “A resposta é clara: aqueles trabalhadores formais, situados no espectro médio da pirâmide de rendimentos, que são tributados antes de receberem seu salário. Para os beneficiados, o impacto será palpável, dando a esse trabalhador um fôlego financeiro que pode ser usado para consumo, poupança ou para quitar as dívidas. Mas, como dizia Churchill, não há almoço grátis e essa renúncia fiscal terá de ser compensada.”

Para o advogado, o grande paradoxo disso é que, enquanto se alivia os bolsos de milhões, se voltam os olhos para os “super-ricos”, introduzindo a taxação de lucros e dividendos acima de R$ 50 mil mensais. “A medida soa progressista no papel, mas na prática esconde o risco de fuga de capitais e de criatividade fiscal, dois esportes que nossos empresários dominam com maestria”.

Entretanto, é preciso lembrar que a matemática fiscal tem sua própria gravidade. Uma renúncia de bilhões em um orçamento já pressionado pela necessidade de investimento em infraestrutura, saúde e educação pode parecer, a longo prazo, um tiro no pé, de acordo com advogados. Taxar os ricos é uma solução simpática, mas historicamente ineficaz se não for acompanhada de mecanismos robustos de compliance e de um sistema tributário menos complexo e mais racional, na opinião dos especialistas.

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Uma análise pragmática

Em essência, a ampliação da faixa de isenção do IR é um remédio parcial para uma economia que sofre de doenças estruturais mais graves. “Reduzir a carga sobre a classe trabalhadora é louvável, mas, sem atacar a regressividade dos impostos indiretos ou simplificar o sistema como um todo, corre-se o risco de perpetuar um modelo fiscal ineficiente e desigual”, disse Silva.

Para Renata Elaine Ricetti Marques, advogada pós-doutora em Direito Tributário pela USP, o pacote anunciado foi muito mais econômico do que fiscal, pois os impactos são diretos na economia. “A isenção do IR até R$ 5 mil atinge a maioria dos trabalhadores. Mesmo que você tenha uma alíquota maior para quem ganha R$ 50 mil, há dúvida se uma coisa compensa a outra. Além disso, essa mudança pode levar a aumentos de preços, que no final vai elevar o custo de vida das pessoas”, afirma.

O advogado Alessandro Batista, tributarista e sócio do ABN Advogados, concorda que o plano tem mais viés econômico. O lado bom, segundo ele, foi o anúncio de que haverá novas métricas para aposentadoria dos militares. “Um ponto importantíssimo e que precisaria ser feito há bastante tempo. Não só de militares, mas também do alto escalão do poder público, especialmente do Judiciário, no qual não se respeita, na prática, o teto constitucional de salários”.

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Segundo Batista, a limitação das emendas parlamentares significa que o Congresso vai perder um pouco de força. “O que acaba em outro problema, o governo cerceando e tornando isso uma moeda de troca para aprovação em votações no Congresso.”

A questão da limitação de incentivos fiscais em caso de déficit é importante, de acordo com o especialista, mas é preciso ver que esses programas de incentivos fiscais só existem por falta de políticas públicas organizadas e perenes para industrialização, empreendedorismo e empregabilidade.

“Se tivesse política, não precisaria de programas fiscais para fomentar emprego e geração de renda. E no final, os empresários vão refazer seus planejamentos e inserir no preço, porque é assim que sempre funciona, e o povo que sempre paga a conta.”

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