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Ibovespa em baixa, juros e dólar em alta: o que fazer com seus investimentos diante do pessimismo no mercado brasileiro?

Quando o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou o pacote de cortes de gastos do governo na semana passada, o mercado local já esperava algo inferior ao necessário para equilibrar as contas públicas.

Mas não só as medidas decepcionaram como veio também o anúncio de que o governo ia dar o pontapé inicial para cumprir uma das suas principais promessas de campanha: a isenção de imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês.

Se os mercados já demonstravam pessimismo horas antes do anúncio, após o pronunciamento de Haddad a coisa começou a degringolar: o Ibovespa se firmou abaixo dos 130 mil pontos, o dólar disparou para mais de R$ 6 pela primeira vez na história, e a curva futura de DIs começou a precificar juros básicos de mais de 14% no próximo ano, chegando a 15% em 2026.

Quando o mercado passa por um momento de nervosismo como este, o investidor logo se pergunta (ou deveria se perguntar) se trata-se de algo pontual ou se ocorreu, de fato, uma mudança de cenário a ponto de motivar alguma mudança na carteira.

Em outras palavras, é para fazer alguma coisa com os investimentos? Ou é melhor ficar quietinho e não mexer em nada?

Bem, desta vez, o consenso do mercado é de que o cenário realmente mudou. Se o pacote de cortes de gastos anunciado for realmente o único ajuste fiscal no curto prazo, como parece ser o caso, a expectativa é de que o dólar se mantenha neste patamar mais elevado, que os juros futuros permaneçam pressionados e que a inflação aumente acima do esperado anteriormente.

Com isso, a Selic precisará subir, o que cria um ambiente de maior aversão a risco. “O mercado entende que serão os juros os responsáveis por ancorar as expectativas para a inflação, então o momento é de reduzir o risco da carteira”, diz Luciano Telo, executivo-chefe de investimentos (CIO) para o Brasil no UBS Global Wealth Management.

Para Telo, os juros no ano que vem — pelo menos no primeiro semestre — devem ficar mais elevados do que se esperava antes do anúncio do pacote fiscal, mesmo que o mercado já estivesse precificando novas altas da Selic.

Basta lembrar que, antes, o mercado esperava uma alta de 0,50 ponto percentual na taxa básica na próxima reunião, a ser finalizada na quarta-feira (11), mas agora as expectativas migraram para 1,00 ponto percentual.

Por isso, diz o executivo do UBS, é necessário repensar a carteira sim.

Um passo atrás: entenda a reação do mercado ao pacote fiscal do governo Lula

Antes de entrar no assunto do que fazer com seus investimentos agora, vamos primeiro contextualizar e entender a reação negativa do mercado ao pacote fiscal do governo Lula. Caso você tenha acompanhado a história e já tenha compreendido as atuais perspectivas macroeconômicas, pode pular este item e passar para o próximo intertítulo do texto.

O pacote de cortes de gastos vinha sendo amplamente aguardado pelo mercado, que entendia que as medidas de aumento da arrecadação implementadas pelo governo Lula até então eram insuficientes para o reequilíbrio das contas públicas, o cumprimento do arcabouço fiscal e a consequente redução no risco-país e nos juros de longo prazo.

Essa melhora de cenário beneficiaria os ativos de risco, como ações e fundos imobiliários, valorizaria os títulos de renda fixa prefixada e indexada à inflação e poderia fortalecer o real ante o dólar. O que estamos vendo, no entanto, é o movimento contrário.

Primeiro, porque o pacote anunciado por Haddad na semana passada, cujas medidas você confere aqui, foi considerado fraco. O governo estima uma economia de cerca de R$ 70 bilhões nos próximos dois anos, um valor até superior aos cerca de R$ 60 bilhões que as instituições financeiras consideravam necessários para reequilibrar as contas públicas.

Porém, segundo economistas de mercado, as medidas anunciadas são pouco efetivas. Se cumpridas, devem render economia bem menor, da ordem dos R$ 40 bilhões ou R$ 50 bilhões. As iniciativas que poderiam trazer maior economia, como a desvinculação das aposentadorias e demais benefícios do INSS do salário mínimo — ficaram de fora.

A própria Instituição Fiscal Independente do Senado (IFI), órgão que calcula e divulga estimativas fiscais e orçamentárias e mensura o impacto de eventos fiscais relevantes, considerou o pacote fiscal “insuficiente” e, nas suas contas, ainda prevê déficits primários nos próximos dois anos.

Anúncio da isenção de IR azedou de vez o mercado

Apenas isso já seria suficiente para o mercado reagir mal, ou pelo menos ficar no zero a zero, dado que os investidores já vinham precificando um pacote pior que o necessário mesmo antes do anúncio de Haddad.

Porém, a reação negativa foi turbinada com a decisão do governo de anunciar, junto com o pacote fiscal, o cumprimento da promessa de campanha de Lula de isentar de imposto de renda quem ganha até R$ 5 mil por mês. A medida, disse Haddad, será compensada por uma maior tributação de quem ganha mais de R$ 600 mil por ano, o que corresponde a R$ 50 mil por mês.

Em coletiva à imprensa no dia seguinte ao seu pronunciamento, Haddad esclareceu que a isenção era algo separado do pacote de cortes de gastos, que só seria enviada ao Congresso em 2025 — como parte de uma reforma do IR —, e que tramitaria junto com a tributação dos mais ricos, pois só poderia ser aprovada caso a medida compensatória também o fosse, de forma a ter impacto fiscal zero.

Só que o mercado não comprou essa narrativa, pois acredita que, mesmo que a tributação dos mais ricos seja aprovada, ela não será suficiente para compensar totalmente a redução na arrecadação com a isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil por mês, que tem impacto estimado pelo governo em R$ 35 bilhões.

Até porque a isenção deve passar no Congresso com facilidade, enquanto a tributação dos mais ricos pode ser desidratada. Além disso, também tende a ser, ao menos em parte, driblada pelos contribuintes por meio de planejamento tributário.

A escolha de anunciar a isenção de IR junto com o pacote de cortes de gastos também pegou mal, sendo lida como uma medida populista que sinaliza que o governo Lula não está assim tão compromissado com o ajuste fiscal.

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Como resultado, o real se depreciou ainda mais, o que levou a cotação do dólar a ultrapassar os R$ 6 pela primeira vez na história e bater recordes seguidos, marcando a saída de recursos estrangeiros do país diante do aumento das incertezas fiscais.

A perspectiva para a inflação passou a ser de piora, com o dólar mais caro, uma economia aquecida em boa parte pelos gastos do próprio governo e, no futuro, pelo provável incremento no consumo por parte daqueles brasileiros que passarão a ficar isentos de IR.

Diante deste cenário, os juros futuros dispararam em toda a curva, precificando a estimativa do mercado de que o Banco Central terá que elevar a Selic para conter essa inflação mais pressionada e a depreciação do real.

Economistas ouvidos pelo Boletim Focus recentemente começaram a projetar uma inflação acima do teto da meta também em 2025, e já há aquelas instituições financeiras que vislumbrem uma taxa básica de juros terminal acima de 14% ao ano, com o fim do ciclo de alta adiado para o final do próximo ano.

Juros futuros mais altos resultam na desvalorização de ações, fundos imobiliários e títulos de renda fixa prefixados ou indexados à inflação, ou seja, numa depreciação geral dos ativos de risco. E foi isso que vimos nos dias seguintes ao anúncio de Haddad.

Diante de uma perspectiva de juros mais altos por mais tempo devido à deterioração do risco fiscal — com o ciclo de alta da Selic podendo se estender para o fim de 2025 ou além — o que fazer com seus investimentos?

Neste cenário, as aplicações mais conservadoras — os títulos e fundos pós-fixados — ganham atratividade para além da reserva de emergência. Torna-se difícil para os ativos de risco superar os retornos de investimentos atrelados a uma Selic ou a um CDI em ascensão.

Para Júlio Ortiz, sócio-fundador e CEO da gestora de fortunas CX3, neste momento “o melhor é ficar quieto e deixar o dinheiro no CDI”, em referência aos investimentos indexados à taxa DI.

“O mercado hoje está com medo da inflação brasileira por conta do descontrole fiscal. Enquanto não vislumbrarmos um futuro mais otimista, a dose do remédio [os juros] não vai baixar, e é provavelmente isso que vai ocorrer no ano que vem inteiro”, diz Ortiz.

Segundo ele, no momento vivemos uma situação “esdrúxula”, em que os ativos mais rentáveis são também os de menor risco. E os pós-fixados são, na opinião dele, a opção mais atrativa não apenas para o curto, como também para o médio prazo, isto é, períodos de dois a quatro anos.

Se a Selic subir como o projetado, será possível ganhar 7% a 8% acima da inflação investindo em pós-fixados, diz Ortiz, não sendo necessário se expor à volatilidade de títulos indexados à inflação, como o Tesouro IPCA+, que hoje travam o retorno no vencimento em não mais que 7% ao ano + IPCA.

“Para comprar uma NTN-B [Tesouro IPCA+] e receber IPCA + 7% num prazo de dois anos, melhor ficar no CDI, pois você deve conseguir esse retorno em um pós-fixado, neste mesmo prazo”, diz o CEO da CX3.

Como exemplo de renda fixa pós-fixada atrativa agora, Ortiz cita os títulos públicos Tesouro Selic e os fundos que neles investem, além das Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) de grandes bancos, que são isentas de imposto de renda.

Ele alerta ainda que é preciso ter cuidado com os títulos de crédito privado — como debêntures, Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) e Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs).

Por um lado, esses títulos podem ser indexados ao CDI ou até ao IPCA, caso no qual costumam remunerar acima dos títulos Tesouro IPCA+ de mesmo prazo, além de poderem ser isentos de imposto de renda.

Por outro, é preciso atenção ao risco de crédito das empresas emissoras em um momento de juros altos e crescentes, uma vez que esses papéis não são cobertos pelo Fundo Garantidor de Créditos (FGC).

“Juro alto é ruim para as empresas e para o consumo”, lembra Ortiz, frisando que o investidor deve se ater apenas aos emissores de excelente saúde financeira.

Luciano Telo, CIO do UBS Global Wealth Management também acredita que é hora de privilegiar as posições pós-fixadas, como CDBs, LCIs, fundos DIs e, entre os papéis de crédito privado, aqueles indexados ao CDI.

No entanto, ele também vê oportunidade nos ativos de renda fixa indexados à inflação, como é o caso dos títulos públicos Tesouro IPCA+. “Inflação mais 7% ao ano é bom para o longo prazo, e é preciso ter algo ligado à inflação na carteira”, diz.

Telo reconhece que, neste ano, esses títulos sofreram com uma forte desvalorização nos seus preços de mercado, dada a alta das suas taxas. Mas defende que sua recomendação é para um prazo de mais de cinco anos.

“O investidor precisa ter mentalmente a capacidade de separar seus investimentos de curto, médio e longo prazos, pois esta classe de ativos ainda deve ver bastante volatilidade no ano que vem. Mas para quem tem horizonte longo, o retorno atual dos títulos indexados ao IPCA está bom, e comprar esses ativos nestes níveis supera o CDI, historicamente”, explica.

Júlio Ortiz, da CX3, concorda que os títulos Tesouro IPCA+ de prazos longos são “oportunidades excelentes”, mas lembra que sua volatilidade tende a ser alta, e o investidor precisa ser estômago. Neste sentido, acredita, talvez seja melhor deixar a volatilidade para a parcela de renda variável da carteira.

É hora de vender ou comprar bolsa?

A recente aversão ao risco veio acompanhada de um movimento de venda das ações brasileiras. Mas, tanto para Telo como para Ortiz, não é hora de vender ativos de bolsa, justamente porque os preços estão baixos. No entanto, ainda não é possível vislumbrar uma reversão nesse movimento de desvalorização.

“Pode ser que o investidor tenha que esperar alguns anos. Mas para quem tem um horizonte de investimentos longo, de dez, 20 anos, o momento para comprar renda variável está muito bom. Só que vai ter muita volatilidade no curto prazo”, diz Ortiz.

O UBS Global Wealth Management não recomenda diminuir a posição em ações por meio da venda por enquanto, diz Luciano Telo, mas recomenda que, para o ano que vem, o investidor mantenha uma posição em bolsa inferior ao que costuma ter, uma vez que os juros devem ser mais altos do que se esperava.

Dólar e investimentos no exterior

A persistência do dólar acima de R$ 6 desde o anúncio do pacote fiscal evidencia a importância de ter uma posição no exterior, dolarizada, na carteira.

“Para o câmbio voltar ao patamar anterior, a credibilidade fiscal teria que ser retomada, ou então o juro subir o suficiente, o que deve demorar ainda. Assim, a posição dolarizada é estratégica, tem que ter na carteira. O investidor não deve se preocupar tanto com o nível do câmbio, mas se voltar para as oportunidades que existem fora do Brasil e a função de contrabalancear a carteira”, diz Luciano Telo, do UBS Global Wealth Management.

A orientação do Itaú Unibanco aos seus clientes é similar. Segundo Martin Iglesias, especialista líder em investimentos e alocação de ativos do banco, “independentemente do patamar do dólar, investidores com pouca ou nenhuma exposição a ativos internacionais devem considerar um plano gradual de alocação.”

O Itaú se mantém cauteloso para renda variável doméstica, justamente dada a forte aversão ao risco. Quanto à renda fixa local, o banco considera que os ativos pós-fixados e indexados à inflação são os mais atrativos no momento.

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