Free flow já funciona e será expandido para todas as praças de pedágio do Brasil em 2025, mas falta de informação alimenta dúvidas, multas e processos
A tecnologia avança nas nossas vidas e, como tudo o que pode facilitar, é um caminho sem volta. Desde o autoatendimento em caixas de supermercado até o uso do carro. Outro exemplo encontra-se nas mudanças que começamos a ver nas praças de pedágio, com a implementação do free flow.
Os motoristas sem tags automáticas (até porque nem sempre vale a pena pagar por mensalidade de algo que não se usa) e que geralmente enfrentam filas nas praças, já encontram autoatendimento nas rodovias paulistas Castello Branco e dos Bandeirantes.
Nesses caixas automáticos é possível pagar com cartão de débito ou crédito, o que faz deles um meio termo entre as tags automáticas e os caixas.
Recentemente, novas regras de pagamento de pedágio eletrônico foram implementadas pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran).
Já disponível em rodovias federais, o chamado sistema free flow (passagem livre) passará a funcionar em todas as estradas (municipais, estaduais e federais) e também em vias urbanas e rurais.
Uma das defesas por sua implementação é tornar o serviço mais justo: o secretário Nacional de Trânsito, Adrualdo Catão, afirmou que a cobrança será mais barata, justa e equânime porque os cidadãos terão serviço simplificado e ganho de mobilidade.
Como funciona o free flow
O free flow prevê que, ao invés de parar nas praças de pedágio, os carros passem por pórticos de cobrança sem a necessidade de reduzir a velocidade.
O sistema faz leitura de uma tag (etiqueta colada no para-brisa) ou placa do veículo e o pagamento será automaticamente feito pela operadora do serviço, por aplicativo ou totens nas rodovias.
Quem não tiver uma tag de pagamento automático, precisa ficar atento. O motorista tem prazo de 30 dias para efetuar o pagamento. Antes eram 15 dias. Se a data limite para pagamento não for considerada útil, o prazo será estendido até o dia útil seguinte.
A inadimplência no prazo resulta em multa por evasão de pedágio, no valor de R$ 195,23 e perda de pontos (infração grave, 5 pontos) na carteira de habilitação (CNH).
Free flow é considerado “mais justo”
O free flow é considerado mais justo que o sistema atual. Isso porque a cobrança é feita pela quilometragem percorrida. Ou seja, o motorista paga pelo trecho que usou, e não como é hoje, apenas quando passa pelo pedágio.
Dependendo do trajeto, contudo, quem sai de uma rodovia um pouco antes da atual praça de pedágio passará a pagar mais.
Além do trânsito mais livre, o Ministério dos Transportes também justifica que o sistema diminui a emissão de poluentes, por causa da redução de velocidade e posterior aceleração, assim como reduz o desgaste de peças.
As imagens dos veículos capturadas pelo sistema ficarão armazenadas por 90 dias. Exceto para os inadimplentes, que ficarão no sistema por até 5 anos.
Também está prevista a criação de placas e símbolos para identificar o sistema de cobrança eletrônico.
Quando o free flow começa a funcionar
Com a resolução de 14 de outubro passado, as concessionárias têm até 180 dias (meados de abril) para se adequarem ao free flow. Algumas já possuem, como a Rio-Santos (BR-101).
A SP-333, no interior de São Paulo, já opera com um ponto com a nova tecnologia: a concessionária EcoNoroeste instalou no km 179 um pórtico. Outro será instalado no km 110 até o fim deste ano.
No fim de semana do feriado de 15 de novembro, a rodovia dos Tamoios, que vai até o Litoral Norte de São Paulo (região de São Sebastião, Caraguatatuba e Ilhabela) recebeu o pórtico no km 13,5 do Contorno.
Essas estruturas, que substituirão as praças de pedágio, são equipadas com tecnologia para a leitura e identificação dos veículos, possuindo um sistema de câmeras, antenas e sensores.
Para incentivar a utilização com tags automáticos, conforme a rodovia e a concessionária, podem ser concedidos descontos na tarifa.
De acordo com a Artesp, agência de transporte do estado de São Paulo, o uso de tags nas rodovias concedidas passou de 59,3% em 2016 para 72,6% em 2024.
Já a Associação Brasileira das Empresas de Pagamento Automático para Mobilidade (Abepam) informou que o número de motoristas que aderiram às tags automáticas cresceu cerca de 50% entre março de 2020 e julho de 2023, tendo atualmente mais de 12 milhões de usuários no país.
Os registros de passagem no sistema free flow e a situação de pagamento das tarifas de pedágio ficarão disponíveis no aplicativo da Carteira Digital de Trânsito (CDT) e em outros canais de comunicação com os usuários que serão disponibilizados pelas próprias concessionárias.
Tecnologia que pode prevenir acidentes, mas há desafios
Para Sylvio Calixto, CEO da Pumatronix, fabricante nacional de equipamentos para monitoramento de trânsito e sistemas de transporte inteligente (ITS), o sistema será importante para prevenir acidentes.
O uso de sistemas de geolocalização e predição de tráfego poderá identificar congestionamentos antes que eles se formem e sugerir rotas alternativas.
Especialistas alertam que a expansão da tecnologia precisa ser acompanhada de investimentos em infraestrutura.
Outra dificuldade será com as frotas pesadas, segundo Kassio Seefeld, CEO da TruckPag, startup de meios de pagamento.
Para ele, a falta de conhecimento gera resistência, uma vez que os condutores e transportadoras têm receio de confiar em uma tecnologia nova e não testada amplamente no país.
Seefeld observa desafios financeiros e técnicos para concessionárias de rodovias realizarem a transição, já que a implementação requer um investimento inicial em infraestrutura, com a instalação de sistemas de leitura de placas, câmeras, sensores e tecnologias de comunicação avançadas para garantir que todos os veículos sejam identificados corretamente.
Além disso, há o temor de aumento de inadimplência. Isso porque, para quem não possui a tag, a cobrança é feita posteriormente.
Problemas constatados: falta informação
O novo sistema prevê que todos os motoristas sejam conectados e informados, o que nem sempre ocorre. Pode acontecer também de o usuário não perceber a passagem pelo totem, após uma longa viagem.
O Contran determinou que o pagamento seja efetuado em 30 dias, mas os sistemas que já funcionavam faziam as cobranças em 15 dias.
Para se ter ideia, o pórtico na SP-333 foi inaugurado em 4 de setembro e já registrou mais de 12 mil motoristas que não efetuaram o pagamento. Esse número representa 8,4% dos veículos que passaram por aquela rodovia.
Pode parecer pouco, mas as dificuldades devem ser multiplicadas ao considerar toda a extensão de rodovias pedagiadas no país.
No fim de outubro, a Defensoria Pública do Rio Grande do Sul (DPE/RS) instaurou um Procedimento para Apuração de Dano Coletivo (Padac) para verificar a aplicação de 254 mil multas a motoristas que passaram Free Flow desde o começo do ano em rodovias daquele estado administrados pela concessionária CSG.
O documento cita que “que há indícios de ausência da garantia da devida transparência e publicidade e de um sistema adequado para notificações”.
Segundo o defensor público Dirigente do Núcleo de Defesa do Consumidor e Tutelas Coletivas, Felpe Kirchner, há visíveis falhas na divulgação e transparência do sistema free flow e a recusa da concessionária em utilizar o Sistema de Notificação Eletrônica (SNE), o que dificulta a comunicação com os usuários.
A falta de comunicação também foi alvo do Ministério Público do Rio de Janeiro, que investiga falhas no free flow na BR-101.
O Procon multou a CCR RioSP em quase R$ 80 mil por falta de informações aos motoristas sobre pontos físicos que recebem o pagamento. E esse é só o começo.