Drex: a criptomoeda brasileira e suas peculiaridades
O Drex foi previsto para ser lançado no final de 2024, mas teve de ser postergado. Na realidade há ainda muitos desafios como por exemplo testes para a implementação de smart contracts para ocorrer ainda em 2025.
Conhecido como Real Digital, o Drex será a moeda fiduciária digital criptografada do Brasil. Esse conceito grande pode ser traduzido como criptomoeda. Isso traz todo o diferencial em comparação ao PiX e aos demais Ativos Digitais Criptografados como o Bitcoin.
Parece que complicou, não? Mas, calma! tudo será explicado no decorrer deste artigo.
Muito se fala em Drex em noticiários. Não é um nome estranho, mas poucas pessoas sabem o que é isso efetivamente. Antes de analisar o que muda com essa nova criptomoeda, é legal ver o que se mantém.
O funcionamento do Drex pode ser comparado com o do já existente PiX, em que as pessoas utilizam seus celulares para efetuar transferências. É mais do que comum a pergunta popular “aceita PiX?”
Apesar de muitos usuários sequer terem ideia do que é PiX, eles o utilizam rotineiramente em suas operações financeiras. O processo é simples. Com o celular na mão, abre-se uma conta numa instituição financeira e cadastra-se uma “chave PIX”. Pronto! já pode fazer e receber transferências, bastando a outra pessoa ter também cadastrado uma chave.
Essas transações PiX podem ainda ser feitas apenas por meio de leitura de QR Code (Código QR) ou com o preenchimento da Chave PiX. Essa pode ser um e-mail, CPF, telefone ou uma sequência alfanumérica aleatória.
Com o Drex será da mesma forma. A diferença é que o PiX é um modo de fazer transferência eletrônica do REAL enquanto o Drex, por sua vez, é a própria moeda criptografada.
Open Finance: o primeiro passo para o Drex
A criação tanto do PiX quanto do Drex somente foi possível após um fenômeno chamado de Open Banking que mais tarde passou a se chamar Open Finance. O processo de implementação desse Sistema Financeiro Aberto se deu a partir de maio de 2020 com o advento da Resolução Conjunta do Bacen nº 1/2020.
Consta na Resolução Conjunta que, por meio desse sistema, há um compartilhamento padronizado de dados e serviços por meio de abertura e integração de sistemas.
Para tanto, os bancos e instituições financeiras trocam informações sobre seus clientes de forma conjunta. Em resumo, quando uma pessoa abre uma conta no banco “X”os demais têm acesso aos dados desse cliente.
O objetivo, segundo essa normativa do Bacen, é fomentar a inovação e aumentar a eficiência do Sistema Financeiro Nacional e do Sistema de Pagamentos Brasileiro.
Com esse sistema pronto, faltava a regulação da estrutura inicial responsável pela governança do processo de implementação do Open Finance. E, daí em junho, o Banco Central emitiu a Circular Bacen nº 4.032/2020 trazendo todo o regramento para essa tal estrutura.
O Bacen estabeleceu, portanto, logo no art. 1º, parágrafo único, desta Circular, que a estrutura inicial seria formalizada até 15 de julho daquele ano.
Tudo seria feito por contrato firmado pelas associações ou grupos de associações representativas de instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil que fossem eleitas sob os termos trazidos no art. 8º do Regulamento Anexo.
Entre as regras estava a de que essas instituições deveriam eleger as associações ou grupos de associações que indicarão representantes para o Conselho Deliberativo.
Do PiX ao Drex
Com esse arcabouço regulatório definido, surgiu o tão famoso PiX em 12 de agosto de 2020, por meio da expedição da Resolução Bacen nº 1/2020. Essa não se confunde com a resolução conjunta.
Apesar de terem o mesmo número, aquela de maio foi feita em conjunto com o Conselho Monetário Nacional (CMN). Essa de agosto foi criada apenas pelo Banco Central.
A Resolução Bacen nº 1/2020 definiu que o Pix seria um arranjo de pagamento. Segundo essa norma, todas as instituições financeiras autorizadas pelo Banco Central com mais de 500 mil contas de clientes teriam a obrigação de participar no PiX.
Apesar de as regras do Open Finance sobre compartilhamento de dados se aplicarem ao PiX, isso apenas só foi regulamentado pela Resolução Bacen nº 402/2024.
O fato é que atualmente o PiX se popularizou e o povo criou termos como “fazer PiX” e “aceitar PiX”. Isso foi o pontapé inicial para o desenvolvimento do Drex. Mas os dois não se confundem.
Além do que já fora explicado, o Drex é uma criptomoeda que funciona sob o sistema Hyperledger Besu, um blockchain empresarial baseada em Ethereum. Isso não sucede com o PiX, pois não é moeda e tampouco conta com proteção criptográfica de uma Blockchain. O PiX funciona sob uma estrutura centralizada, conforme consta no art. 3º, inciso XIX, da Resolução Bacen nº 1/2020.
Apesar da popularização do PiX há ainda desconhecimento e desconfiança sobre esse arranjo de pagamento. Há ainda problemas como a segurança digital que ensejam golpes.
A tecnologia facilita muito tanto para os usuários que buscam praticidade, quanto para golpistas que sequer precisam sair de casa. Esses problemas também podem se estender ao Drex.
Drex sob o olhar do novo presidente do Bacen
O economista Gabriel Galípolo durante sabatina feita ontem pelo Senado para aprovação de seu nome como presidente do Bacen, ele afirmou que o Drex seria o próximo passo a revolução financeira no Brasil:
“A própria ideia do Drex pode permitir a gente conseguir avançar e produzir uma revolução enquanto uma infraestrutura pública digital para o crédito colateralizado e isso permite uma redução dos spreads”.
Sob o ponto de vista do novo presidente do Bacen, o Pix já seria “um caso de sucesso de uma infraestrutura pública digital”.
Drex versus Bitcoin
O fato de ser uma moeda criptografada ou uma criptomoeda traz a lógica de imaginar que o Estado visa criar um concorrente ao Bitcoin, ao Ether e outros criptoativos, os quais também são chamados popularmente de criptomoedas. A questão, no entanto, é mais profunda.
O Bitcoin ‘não é uma moeda’. Ao menos não no Brasil, uma vez que o art. 164 da Constituição Federal deixa claro que a emissão de moedas se dá exclusivamente pelo Banco Central.
O cenário é diferente, no entanto, em El Salvador. Lá com o advento da “Ley Bitcoin” o criptoativo criado por Satoshi Nakamoto passou a ser adotado como moeda oficial do país ganhando, assim, a característica principal de uma criptomoeda: ter o aval do Estado para tal.
Diante disso, correto afirmar que moeda é aquilo que o Estado diz é. Afinal de contas, nas palavras do professor de Direito Monetário, Letácio Jansen, a moeda é que dá validade a todas as outras normas monetárias.
Ela é um título de endividamento do Estado perante a todos que portam suas frações. Assim, no Brasil, quem possui uma cédula de R$100 possui um pedaço de papel que obriga o próprio Estado garantir esse valor estampado. O mesmo não acontece com Bitcoin, Ether, etc. Não no Brasil. Já em El Salvador é outra história.
O Drex é apenas a versão digital com proteção criptográfica. Mas até mesmo o sistema de criptografia não se confunde com Ether e muito menos com o Bitcoin. A criptomoeda brasileira funciona no Hyperledger Besu — baseado em Ethereum, mas o sistema estrutural do Drex é centralizado e controlado pelo Estado. Trata-se tão somente de uma espécie de DLT. Já o Bitcoin é completamente descentralizado.
Aspectos regulatórios do Drex
Considerando que o Drex não é arranjo de pagamento como o Pix, se afasta a aplicação da Lei nº 12.865/2013 ao que tange os arranjos de pagamento. No entanto, nada impossibilita que o regulador utilize regras do Bacen sobre o PiX naquilo que couber ao funcionamento de transferências do Drex.
Em que pese o Open Finance ter servido de pontapé inicial para a realização do Drex, o Bacen já afirmou que os “serviços financeiros inteligentes serão liquidados pelos bancos dentro da Plataforma Drex do Banco Central”. Consta ainda no site do Banco Central que:
“Para ter acesso à Plataforma Drex, você precisará de um intermediário financeiro autorizado, como um banco. Esse intermediário fará a transferência do seu dinheiro depositado em conta para sua carteira digital do Drex, para que você possa realizar transações com ativos digitais com total segurança”.
Pelo fato de o Drex ser criptomoeda fiduciária e assim não se confundir com Ativos Digitais Criptografados, não há aplicação da Lei nº 14.478/2022. Isso porque o conceito amplo “Ativos virtuais” foi limitado pelo art. 3º desta lei excluindo nos incisos I e II as moedas fiduciárias, sejam elas nacionais ou estrangeiras e as moedas eletrônicas.
Desta maneira, a negociação e/ou custódia de Drex ou qualquer outra Central Bank Digital Currencies (CBDC) não sofre incidência dessa lei que somente regula as empresas que negociam criptoativos, stablecoins e NFTs.
Impactos sobre os Ativos Digitais Criptografados
Apesar de toda inovação tecnológica do Drex e isso ser uma tendência mundial, tendo cada Estado e até blocos econômicos visando criar suas próprias criptomoedas. A natureza destas não se confunde com o do Bitcoin, o qual é uma commodity digital.
Também não traz impactos ao Ethereum, uma vez que a blockchain dele serve de inspiração inclusive para o Drex.
Pode sim, haver impacto de maturidade para todo o mercado. Nisso, cabe mencionar o caso das stablecoins. Elas terão que se definir melhor, talvez quanto ao seu aspecto de colateralidade, como se fosse uma espécie de título lastreado em commodity e moeda fiduciária.
Os NTFs enquanto estão como parcelas de investimento de obras de arte, ou título de propriedade da obra por inteiro; ou até mesmo que seja a própria obra não se confunde em coisa alguma com o Drex. Mas não tem como afastar possíveis implicações ao uso de criptoativos, stablecoins e NFTs como moedas em si. Ao menos no Brasil.
Testes com o Drex
O preparativo para o lançamento do Drex tem sido feito até então com cautela. Já foram processadas, em fase de testes. 500 transações entre 11 instituições financeiras autorizadas pelo Bacen.
Em setembro deste ano, o Bacen havia anunciado uma lista de projetos selecionados para o desenvolvimento da segunda fase de testes da plataforma piloto Drex.
Essa lista foi feita em conjunto com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Foram apresentadas 42 propostas de casos de uso. Nessa fase, o projeto piloto passará a testar a implementação de serviços financeiros, disponibilizados por meio de smart contracts criados e geridos por terceiros participantes da plataforma.
Tudo isso, portanto, já demonstra a preocupação do Estado com a segurança do uso do Drex.
Desafios do Drex
A inovação traz soluções e junto vem os problemas, alguns destes já antigos. No caso do Drex cabe abordar aqueles atinentes à exclusão digital. Apesar do otimismo do novo presidente do Bacen quanto à revolução financeira digital, algumas pessoas sequer têm acesso a celulares.
Algumas pessoas que possuem sofrem com a exclusão digital. Esse é um problema que ainda afeta inúmeros seres humanos no Brasil. Isso pode acontecer por conta da falta conhecimento de uso de aplicativos e problemas de conexão de internet. O grande desafio para a implementação do Drex como criptomoeda a fim de substituir o Real físico se dá nesse ponto.
Outra questão tem a ver com a proteção de dados sensíveis. Todo o sistema será centralizado no aplicativo Drex do Bacen. Havendo falha na segurança cibernética incluindo a proteção de dados de usuários acaba ocasionando em fraudes e golpes. Aqui a segurança digital dos dados deve ser algo constante para se evitar até mesmo as invasões hackers.
Ainda tem o problema de fraudes e golpes que já sucedem com o Pix. Seja por desinformação do usuário ou até mesmo por furto de celulares. Essa, porém, é uma velha questão que existe desde que se atribuiu valor às conchinhas e ao sal. A criação mesmo da moeda-papel foi para evitar o roubo de carruagens com ouro e prata. O resultado foi que o crime também evoluiu.
Não há como saber se o Estado conseguirá resolver todas essas questões. Mas uma coisa é fato, as medidas de garantia de segurança dos usuários devem ser constantes para, assim, conseguir conquistar a fé do povo nessa nova modalidade de moeda. Sem confiança, a moeda mesmo digital e criptografada perde seu valor.