Dólar a R$ 6,20: o choque de credibilidade que faz a moeda americana disparar por aqui, segundo o Itaú
O ano era 2010. Enquanto o Brasil elegia sua primeira presidente mulher, a petista Dilma Rousseff, o mundo via a explosão da primavera árabe. Naquele momento, o dólar valia pouco mais de R$ 1,60.
A disparada da moeda norte-americana na última semana fez a divisa atingir R$ 6,20 na máxima histórica, uma valorização acumulada de 26% no ano — e de 287,5% em comparação com 2010.
Mas por que voltamos exatamente 14 anos no tempo? É simples. Os motivos para a atual disparada do dólar tem pontos em comum com aquele mesmo período — ainda que, em 2010, o real estivesse valorizado: o cenário externo.
Quem explica isso é a economista-chefe da área de Estratégia de Investimentos do Itaú, Gina Baccelli. “O dólar está valorizado em todo o mundo, toda moeda que você analisar está desvalorizada contra ele”, afirmou ela durante encontro com jornalistas nesta quarta-feira (18).
Baccelli explica que a taxa de câmbio real, métrica levantada pelo Federal Reserve (Fed, o Banco Central dos EUA), está no segundo maior patamar da história — o que significa, no fim, que o dólar está mais forte em relação às demais moedas.
Para a economista, essa força do dólar explica — em partes, vale dizer — o motivo pelo qual o real vem se desvalorizando vertiginosamente.
Dólar forte no mundo, mas parte da culpa é do Brasil
Nicholas McCarthy, diretor da área de Estratégias de Investimentos do Itaú, também ajuda a explicar a disparada do dólar.
Para ele, parte dos problemas começaram com o atraso no corte de juros nos Estados Unidos, que fizeram os títulos do Tesouro norte-americanos (Treasurys) atingirem um patamar de retorno de 5% ao ano — considerado elevado para uma economia daquele porte.
“O dólar subiu de R$ 4,80 para R$ 5,30/R$ 5,40 por causa disso”, comenta McCarthy, ressaltando que outras moedas no mundo também foram desvalorizadas no mesmo período. “Mas [a subida de] de R$ 5,40 para R$ 6,00, foi culpa do Brasil”, pondera.
Além disso, para o diretor de estratégias de investimento, a eleição de Donald Trump pode ser uma notícia “inflacionária” para o País e para o mundo.
O fiscal e o dólar
Parte da “culpa do Brasil” na subida do dólar vem do risco fiscal crescente, que corrói a perspectiva de melhora das contas públicas. Ainda assim, para McCarthy, não estamos próximos de uma situação de “dominância fiscal”.
“Nós não chegamos na dominância fiscal, mas demos um passo nessa direção”, diz o diretor do Itaú.
Ele explica que a falta de credibilidade do pacote de corte de gastos anunciado pelo Ministério da Fazenda foi o que gerou a piora na bolsa e, consequentemente, no dólar.
“A queda foi grande, mas não houve nenhum circuit breaker no meio do caminho, o que é um sinal de pessimismo, mas sem tanta gravidade quanto poderia ser”, afirma, em referência ao sistema que suspende as negociações em bolsa.
Para McCarthy, a bolsa pode saltar “até 30% em uma semana” se tiver um choque de credibilidade em relação ao fiscal brasileiro.
O “tarifaço” de Trump
Voltando alguns passos, o presidente eleito dos Estados Unidos Trump assume a presidência em 20 de janeiro de 2025 e já prometeu import tarifas de importação contra uma série de países.
Segundo o próprio republicano, a partir do seu novo mandato, seria imposta uma taxa de 25% sobre os maiores parceiros comerciais dos EUA (Canadá e México) e uma tarifa adicional sobre os produtos chineses, podendo somar até 35%.
Trump também afirmou que o Brasil “taxa demais” os produtos norte-americanos, além de ameaçar aplicar tarifas de 100% aos países do Brics caso tentem substituir o dólar por outra moeda em suas transações comerciais.
Para os executivos do Itaú, é preciso esperar para ver o que o novo presidente dos EUA conseguirá efetivamente fazer. Por enquanto, a retórica parece inflacionária em um primeiro momento, mas pode ser limitada, como aconteceu na gestão anterior.
Durante o primeiro mandato, Trump também impôs tarifas à China, porém em bens intermediários, não de consumo.
“Se você pegar a balança de exportação chinesa, metade é consumo e metade é de bens intermediários. Antes das tarifas chegarem aos bens de consumo, os países assinaram um acordo”, diz Baccelli.