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Dá para excluir um filho da herança? Veja quando é possível deserdar ou favorecer herdeiros

Uma dúvida comum em famílias conturbadas é sobre a possibilidade de se deserdar, por exemplo, um filho. Brigas ou decisões polêmicas envolvendo herança, aliás, não são apenas comuns, como também costumam suscitar muito debate e curiosidade quando viram notícia em razão da morte de algum famoso dono de uma grande fortuna.

Foi o caso da revelação, feita na última semana, de que o apresentador e locutor Cid Moreira, morto no dia 3 de outubro aos 97 anos, deserdou seus dois filhos em testamento, deixando todos os seus bens para a viúva.

Antes ainda, no início deste ano, foi noticiado que o futebolista Mário Jorge Lobo Zagallo, falecido em janeiro, havia deixado a maior parte da herança para seu caçula, embora tivesse outros três filhos.

Tanto no caso de Cid Moreira quanto no de Zagallo, a preferência por um herdeiro em detrimento dos demais se deu por vias legais. Mas tem muita gente que tenta fazer esse tipo de arranjo em vida sem seguir a legislação, e após sua morte, os herdeiros que se sentiram lesados conseguem contestar a divisão irregular na Justiça.

As regras da partilha de herança no Brasil

O que essas pessoas muitas vezes não entendem é que no Brasil a herança é forçada. Isso quer dizer que pelo menos uma parte do patrimônio do falecido deve ser direcionada aos chamados herdeiros necessários ou obrigatórios. Não é possível simplesmente deixar seus bens para quem você bem entender, sem seguir as regras legais da partilha, por mais que você faça um testamento.

Pela lei atual, a parte do patrimônio que deve ser deixada para os herdeiros necessários, a chamada legítima, corresponde a 50% dos bens do falecido. Apenas a outra metade, a chamada parcela disponível, pode ser direcionada a quem o autor da herança desejar, seja por meio de doações em vida, seja por testamento.

Os herdeiros obrigatórios são, nesta ordem, os descendentes (filhos, netos e bisnetos, em concorrência com o cônjuge sobrevivente), os ascendentes (pais, avós e bisavós, em concorrência com o cônjuge sobrevivente) ou, na ausência de descendentes e ascendentes, apenas o cônjuge. Na ausência de todos esses parentes, os bens do falecido são destinados aos chamados colaterais, isto é, irmãos, sobrinhos e tios.

Eu dou mais detalhes sobre as regras de partilha de bens no guia da Dinheirista sobre herança, que você encontra aqui.

Assim, a princípio, como você pode ver, não é possível simplesmente excluir um filho ou qualquer outro herdeiro necessário da herança, ao menos não em situações, digamos, mais normais – por exemplo, porque seu filho casou com alguém de quem você não gosta ou porque ele não seguiu a carreira que você gostaria. Isso porque ao menos a uma parte da legítima ele terá direito.

Da mesma forma, também não adianta fazer doações em vida de maneira desigual entre os herdeiros, ou excluir algum deles da lista de beneficiários de um plano de previdência privada, caso algum desses arranjos desrespeite a legítima, uma vez que o herdeiro que se sentir lesado poderá futuramente questionar essa divisão na Justiça.

Quando, então, é possível deserdar alguém?

Existem, no entanto, algumas situações mais graves em que pode sim ocorrer a deserdação – em certos casos até mesmo a chamada indignidade –, mas elas devem ser comprovadas e passar pela via judicial.

De acordo com o artigo 1.814 do Código Civil atual, são excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários que:

  • Tiverem sido autores, coautores ou tenham participado de homicídio doloso (ou tentativa) contra o autor da herança, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;
  • Tiverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou tiverem incorrido em crime contra a sua honra, a do seu cônjuge ou companheiro;
  • Ou tiverem inibido o autor da herança de dispor livremente dos seus bens por ato de última vontade por meios violentos ou fraudulentos.

Estes são os chamados casos de indignidade, aqueles em que o herdeiro é considerado indigno de receber a herança da pessoa falecida, podendo ser também deserdados.

A exclusão da herança deve ser pedida à Justiça até quatro anos após a abertura do processo de sucessão, o que pode ser feito por um dos demais herdeiros. No caso de homicídio ou tentativa de homicídio do autor da herança, isso pode ser feito até pelo Ministério Público.

Caso o herdeiro considerado indigno tenha descendentes, no entanto, eles entram na sucessão como se o herdeiro excluído fosse falecido. Só que este não poderá ter direito a usufruto, administração ou mesmo futura herança desses bens herdados pelos seus descendentes.

Um caso famoso de indignidade no Brasil foi o de Suzane von Richthofen, condenada a 39 anos de prisão pelo assassinato dos próprios pais, em 2002, um crime que chocou o país. Ela foi excluída da herança deixada pelas vítimas a pedido do seu irmão, que acabou se tornando o único herdeiro do casal.

Em adição aos casos de indignidade/exclusão da herança, o Código Civil prevê ainda outras situações em que é possível pedir a deserdação. Segundo os artigos 1.962 e 1.963, filhos e outros descendentes, bem como os ascendentes, podem ser deserdados por ofensa física e injúria grave contra o autor da herança, além de desamparo ou abandono deste em caso de alienação ou deficiência mental, bem como doença grave.

Em uma coluna anterior da Dinheirista, inclusive, respondemos à dúvida de uma mulher que contemplava a possibilidade de deserdar o marido por desamparo em caso de doença grave.

Também é possível deserdar descendentes que tenham tido “relações ilícitas” com sua madrasta ou padrasto (cônjuge do autor da herança) e ascendentes que tenham tido “relações ilícitas” com o cônjuge ou companheiro do autor da herança.

A deserdação deve ser pedida em testamento, deixando-se claras as causas. E, aos herdeiros que não foram alvo desse pedido, cabe provar a veracidade dos motivos apontados pelo testador em até quatro anos a partir da abertura do testamento.

No caso de Cid Moreira, o apresentador pediu em testamento a deserdação de seus dois filhos, Rodrigo e Renan, com base no fato de que ambos haviam movido processos judiciais contra ele e sua esposa com acusações caracterizadas pelo locutor como mentirosas – entre elas, abandono afetivo e dilapidação de patrimônio, além de questionamentos quanto à sanidade do apresentador, dada a sua idade avançada.

Os irmãos devem agora questionar a deserdação na Justiça, enquanto à viúva, que acabou ficando como única herdeira, cabe comprovar os motivos para excluí-los da herança.

VEJA TAMBÉM: Meus meios-irmãos têm direito à herança da minha mãe? Confira no vídeo da Dinheirista

Se a deserdação não for possível, ao menos dá para favorecer um herdeiro

Como você pode ver, as situações em que é possível deserdar um herdeiro necessário são poucas e bastante graves. Pode também não ser simples comprová-las, e elas são frequentemente questionadas na Justiça pelos herdeiros que se sentem lesados.

Não é possível deserdar um filho ou qualquer outro herdeiro, portanto, apenas com base em questões mais superficiais, como a desaprovação do comportamento ou das escolhas pessoais desse herdeiro ou por questões de afinidade.

Nesses casos, porém, embora não seja possível excluir o herdeiro da sucessão por completo, é possível deixá-lo com uma fatia mínima da herança, favorecendo aqueles herdeiros com quem se tem mais proximidade com uma quantia maior.

Para isso, basta fazer um planejamento sucessório, por meio de doações em vida ou testamento, partilhando de forma desigual apenas a parcela disponível do patrimônio. Assim, a legítima ainda deverá ser partilhada irmãmente entre os herdeiros obrigatórios; já a parcela disponível pode ser deixada integralmente àqueles herdeiros que se deseja favorecer.

Esse foi o caso do ex-jogador e técnico de futebol Zagallo, que fez uma partilha desigual entre seus quatro filhos de maneira totalmente legal. Em seu testamento, o futebolista manifestou sua “profunda decepção” com três dos seus quatro filhos – os quais haviam se desentendido com o pai alguns anos antes.

Assim, deixou a maior parte da herança para o caçula, Mário César, que segundo pessoas próximas da família, foi o único a cuidar do pai. A legítima, assim, foi partilhada igualmente entre os quatro, mas a outra metade do patrimônio ficou toda para o filho mais novo. No fim, este ficou com 62,7% da herança, enquanto os demais ficaram com 12,5% cada um.

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