Mercado financeiro

Celebridades investem em futebol… na Europa

O que nomes como Will Farrel, Ryan Reynolds, Bob McElhenney, Steve Nash, LeBron James, Tom Brady, Kevin Durant e Drake têm em comum? Além de dinheiro e fama, todas essas celebridades são (supostamente) felizes proprietários ou parceiros estratégicos de clubes de futebol. Em maior ou menor grau, todos enxergaram no futebol uma oportunidade de investimentos, além de uma via adicional de contato com fãs. Futebol como negócio, futebol como vitrine.

Nessa lista inicial temos nomes que não são ligados ao esporte, mas se quisermos ampliá-la com famosos que vêm desse universo, temos que incluir Mbappé, Casemiro (ou jogador, não o falastrão), Ronaldo, Beckham, que também viram na aquisição de um clube a possibilidade de seguirem dentro da indústria que conhecem.

Por que as celebridades investem em futebol?

Por que o interesse das celebridades no futebol? E por que no Brasil não acontece a mesma coisa?

Não é apenas capricho. Afinal, por mais ricos que sejam, ninguém rasga dinheiro. A ideia por trás dos investimentos das celebridades em futebol está associada a uma combinação de fatores.

Primeiro, é importante lembrar que na maior parte das vezes os investimentos são feitos através dos gestores patrimoniais das celebridades, o que torna a decisão mais técnica e menos passional.

Além disso, falamos de participações minoritárias, como os 2% que Durant comprou do PSG, ou os 3,3% que Tom Brady comprou do Birmingham City. Mesmo cenário de LeBron James, que tinha 2% do Liverpool e fez uma troca por 1% de participação na Fenway, principal acionista do clube inglês.

Ninguém ficará (ainda mais) rico com essas participações, e elas passam naturalmente por uma diversificação de portfólio, mas essencialmente pela ligação com o esporte. Numa matéria do The New York Times, Tom Brady disse que “trabalharia com o conselho, os atletas, a gestão”, o que podemos traduzir de forma livre como um “coach embaixador”.

Celebridades e futebol: foco em marcas

Bilionários de países com pouca transparência, ou estados que precisam melhorar suas imagens usam o futebol como “sportwashing”, enquanto celebridades veem no esporte a possibilidade de aumentarem o alcance de suas marcas, essencialmente os que vem da NBA ou NFL.

Usar o nome para construir um projeto financeiramente viável é o que estão fazendo Ryan Reynolds e Bob McElhenney, que tem 95% do Wrexham AFC. Eles compraram o clube por US$ 2,5 milhões em 2021, quando a equipe galesa estava na 5ª divisão, e com receitas da ordem de US$ 5 milhões.

Ainda que McElhenney seja conhecido pela presença na série It’s always sunny in Philadelphia, é a presença de “Deadpool” (Ryan Reynolds) que chama a atenção. Eles enxergaram na aquisição do Wrexham a oportunidade de criar um produto lastreado no futebol, e que tem na série “Bem-vindo ao Wrexham” o ponto alto desse projeto.

A presença de ambos jogou luz no histórico clube galês, e além de royalties sobre a série, os atores-acionistas levaram patrocinadores internacionais, como o TikTok, a Expedia, Aviator gin e fizeram rapidamente as receitas saltarem para US$ 14 milhões. Mas, além do valor de aquisição, a dupla de acionistas aportou outros US$ 11 milhões na reestruturação e fortalecimento do clube. Só em substituição do gramado do estádio foram investidos cerca de US$ 1 milhão desde 2021. Futebol é uma atividade cara, especialmente nas divisões menores. É capital intensivo para reestruturar o ativo, investir em infraestrutura, aportar recursos para fechar o fluxo de caixa.

Entretanto, nessa temporada joga a 3ª divisão, e as receitas tendem a se aproximar dos US$ 20 milhões com o aumento dos valores com direitos de transmissão. Será o dobro das receitas médias da divisão, em função dos parceiros comerciais que Reynolds e McElhenney levaram ao clube. Visão de futebol enquanto negócio, turbinada pela fama e relacionamento dos acionistas.

Como Drake livrou o Venezia FC da Série B

E seguimos pela Europa até Veneza, terra do Venezia FC, clube que retornou à primeira divisão italiana para a temporada 24/25. Controlado por um grupo de investidores liderados por Duncan Niederauer, o clube inicia a atual temporada em dificuldades.

Em julho de 2024 receberam aporte minoritário do fundo APEX português, que além do aporte financeiro ainda fará parte da gestão da equipe. Mas isso não foi suficiente. Poucas semanas antes de iniciar a temporada o Venezia FC precisava de € 40 milhões para cobrir salários atrasados (€ 10 milhões) e manter gerir o início de temporada, que como em qualquer liga do mundo, tem fluxo de caixa negativo.

O risco? Se não tivesse o aporte o clube seria rebaixado para a Série B e poderia até falir.

Eis então que surge o rapper Drake nessa história. Conforme informado pelo site Calcio e Finanza, através de relacionamentos próximos, Drake mobilizou a estrutura da NOCTA, a marca que ele criou em co-brading com a Nike, e vai aportar os € 40 milhões necessários para este momento de dificuldade do Venezia FC. Não é um aporte de capital, mas um acordo comercial.

O Venezia FC já era conhecido por sua visão de mercado além do futebol, explorando a cidade enquanto palco e criando uniformes e roupas de caráter casual que viraram ícones. A associação parece fazer sentido, seguindo o que a Armani Exchange já faz com o Napoli, e o Milan tem recorrentemente feito com outras marcas. Assim, a empresa passará a ser a nova fornecedores de materiais, no lugar da Kappa.

Drake salvou o Venezia FC da Série B – Foto: Divulgação

Ainda que não seja capital, é a visualização do futebol enquanto indústria capaz de divulgar globalmente uma marca, expandindo horizontes. A NOCTA já é um sucesso dentro do mercado americano, mas não basta, e o futebol é uma fonte de divulgação relevante. Não se espante se em algum momento ouvirmos que Drake virou acionista do Venezia FC.

Mas por que isso não acontece no Brasil? Por que as celebridades não veem o futebol local como negócio?

Além da presença de Ronaldo Fenômeno como principal acionista do Cruzeiro SAF na sua criação, o outro caso conhecido é do cantor Gusttavo Lima, que comprou 60% da SAF do Paranavaí, clube da segunda divisão do futebol paranaense. Recentemente o cantor esteve na cidade acompanhando uma partida, e o estádio estava lotado.

O investimento total anunciado foi de R$ 3 milhões, para um clube que está no que seria a 6ª divisão nacional. Não se sabe quanto de aportes adicionais o cantor e demais investidores farão nos próximos anos.

Por que as celebridades brasileiras NÃO investem no futebol?

O que pode estar afastando investidores celebridades dos clubes brasileiros é uma soma de fatores. Clubes pequenos demandam muito investimento para alcançarem divisões que operem no break-even. No Brasil, no melhor cenário a Série B dá break-even, mas com muito sacrifício. Na Série A do Campeonato Brasileiro um clube pequeno fará parte de grupo de clubes cujas receitas permitem, no máximo, brigar para não cair.

Aliás, pegue os investimentos recentes em Vasco, Bahia, Coritiba e Botafogo, e veja que os novos donos propõem aportes na casa de R$ 1 bi ao longo do tempo. Com dificuldades em saber se haverá retorno.

Quantos artistas seriam capazes de se comprometer com tamanho investimento? Na Europa um clube de primeira divisão médio custa € 70/100 milhões e ainda operam no break-even e com chances reais de brigarem por posições razoáveis na tabela.

Outro fator além do financeiro é a relação com a torcida. Apesar do bom trabalho feito por Ronaldo no Cruzeiro, a torcida vivia em pé-de-guerra com ele, pois via o que o estava sendo feito no rival Atlético-MG e olhava para o Fenômeno como um pote de ouro, o que ele nunca foi e deixou claro desde o início.

Imagine um cantor ou ator famoso comprar um clube de apelo popular e ter dificuldades em sair nas ruas porque o time perdeu 3 jogos seguidos e ter o torcedor cobrando a chegada de reforços! Na Europa esse risco é bem menor.

Futebol como investimento

O futebol é um negócio cada vez mais promissor enquanto investimento. Há mercados e realidades mais óbvias, e o Brasil ainda não é uma delas.

Perdemos oportunidades porque nossos custos são altos, nosso risco legal é relevante (vide Vasco/777) e a relação com o principal stakeholder é difícil. Até para o Deadpool é um desafio complexo.

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