a relação do mercado nos EUA e Brasil
Na disputa eleitoral à presidência dos Estados Unidos em 2024, a rivalidade entre Trump e Kamala provoca reações no mercado americano que vão dos bitcoins às renda fixa. Especialistas ouvidos pela Inteligência Financeira afirmam que, independente do resultado das urnas americanas em 5 de novembro, haverá impactos sobre investimentos no exterior e até em ações brasileiras.
Mas a reação pode variar.
A princípio, os índices das bolsa de valores de Nova York tendem a abraçar Trump com liquidez positiva em pregões seguintes à eleição. No longo prazo, contudo, é Kamala Harris quem pode beneficiar mais o mercado e empresas. E por não pressionar o déficit tanto quanto o competidor, em detrimento dos prêmios de renda fixa.
Para as ações brasileiras, um dos postulantes à Casa Branca representa um desafio maior.
Trump x Kamala: as reações do mercado à vitória de um ou outro
Trump e Kamala têm visões diferentes sobre o futuro da maior economia do mundo.
Caso volte à Casa Branca, Trump quer políticas mais duras de imigração e contra importações, principalmente chinesas. Assim, o republicano deve aplicar mais tarifas comerciais que Harris. A democrata é a favor de manter as atuais políticas aduaneiras dos Estados Unidos, ainda restritas com o comércio chinês.
Alguns agentes de mercado trabalham com um cenário de Trump x Kamala no qual o republicano tem ligeira vantagem. É o caso da XP Investimentos, conforme explicação de Rodrigo Sgavioli, head de alocação da corretora.
Também é o caso da consultoria política Eurasia Group.
Sgavioli afirma que uma vitória de Trump pode causar euforia no mercado acionário americano no curto prazo. Ou seja, uma disparada do S&P 500, por exemplo.
“Em um cenário de Trump trade, teremos um rali da bolsa americana no curto prazo, e alguns setores dos índices podem disparar”, afirma o chefe de alocação da XP.
Os setores a que Sgavioli se refere são, principalmente, o de instituições financeiras e de energia ligada à óleo e gás.
O republicano já afirmou em debates que pretende cortar impostos federais sobre companhias e explorar mais campos de petróleo cuja propriedade é do governo.
“Trump é a favor de diminuir impostos federais sobre empresas, o que favorece a indústria e o setor financeiro. Ele tem predileção por esses setores”, diz Sgavioli.
Por outro lado, uma vitória de Kamala Harris teria reação negativa da bolsa. Mas as condições de longo prazo devem sustentar altas do S&P 500, argumenta o executivo. As vencedoras, nesse caso, são as big techs, como Apple, Amazon e Microsoft.
“Ela é mais adepta aos setores de tecnologia e tende a manter o status quo das big techs como está”, afirma Sgavioli.
Um segundo mandato de Trump parece assustar o mercado em um ponto: descontrole do já enorme déficit do governo americano.
A previsão do departamento de Orçamento do Congresso americano é de que os Estados Unidos termine 2025 com déficit primário de quase US$ 2 trilhões, o que representa 122% do PIB do país.
Segundo o banco francês BNP Paribas, o cenário de vitória de Trump complicaria ainda mais o balanço de gastos. Seria ainda mais sensível, diz o banco, se os republicanos faturarem mais cadeiras que os democratas no Congresso e no Senado. Ou seja, a chamada red wave, ou onda vermelha.
Sobre Trump x Kamala, o BNP Paribas descreve o que pode acontecer com investimentos em renda fixa nos EUA. Especialmente os títulos do Tesouro americano, as Treasuries:
“No evento de uma vitória de lavada de qualquer dos dois partidos, esperamos que uma inflação e déficit maiores impulsionem o valor justo dos yields americanos em proporções equivalentes. Acreditamos que uma red wave seria mais impactante.”
Nesse sentido, apenas com base em um cenário de onda vermelha, o BNP projeta aumento de 0,15 ponto percentual na inflação americana a partir de 2026 e de mais 0,25 p.p. para 2027.
No cenário de onda azul, o pico da inflação – também de 0,15 p.p. – será em 2026, mas os preços cairiam a partir de 2027.
“O impacto de Trump no cenário fiscal parece ser muito maior”, diz Sgavioli. Ele avalia, contudo, que os dois candidatos têm medidas para a economia que tendem a ser inflacionárias.
Mas a resposta do Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) seria mais firme com o republicano de volta à Casa Branca. É uma vantagem que o mercado vê em Harris.
Sgavioli vê, assim, uma queda imediata na taxa de notas do Tesouro Americano de 10 anos, o mais popular entre investidores, caso Trump ganhe.
“Mas em um a dois anos pode ser que haja uma abertura geral. O momento Trump x Kamala é para alongar o duration dos investimentos”, completa.
Na visão de Gabriel Mollo, analista de equities do Banco Daycoval, há um cenário claro em que ações brasileiras podem perder com Trump x Kamala.
O Ibovespa, que abriga uma parcela importante de companhias cuja principal atividade envolve a negociação de commodities, tende a se desvalorizar mais com Trump no poder.
Ações de empresas brasileiras que possuem operações nos EUA ou têm uma fonte de renda importante no país tendem a sofrer mais.
Mollo lista Gerdau (GGBR4), JBS (JBSS3) e Marfrig (MRFG3) entre exemplos de quem pode sair mais prejudicado com um novo mandato do republicano.
“O setor de exportação do agronegócio pode também ser prejudicado com possíveis tarifas. E aí temos ações como SLC Agrícola (SLCE3)”, pontua Mollo.
Em relatório, a Oxford Economics prevê que Trump pode levantar tarifas de 60% sobre produtos vindos da China e de 10% contra importações do países no resto do mundo.
“Em um cenário de vitória total de Trump, vemos um impacto mais negativo para os setores de maquinário e metais na indústria americana, com efeito negativo de 3% sobre o valor agregado bruto sobre o setor”, diz a consultoria.
Mas, de qualquer forma, Rodrigo Sgavioli diz que seguir uma cartilha Trump x Kamala nos investimentos não é recomendável. O especialista sugere cautela até o anuncio do próximo presidente dos Estados Unidos.